terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Texto enviado por e-mail

A um suicida

Archidy Picado Filho

“Por incrível que pareça, esse cara disfarçadamente humorado nos últimos dias está à beira de um suicídio. Falo sério. Preciso de ajuda. Posso até sentir vergonha depois, mas está insuportável viver. Ajudem-me.” Encontrado em minha página de recados do Orkut.

Caro X:

Notei que você me enviou uma série de e-mails nos últimos dias. Infelizmente, uma das razões de nossa vontade de morrer tem fundamento: perdemo-nos no caminho da construção de nossos paraísos e há muitos perversos no mundo (ou ignorantes?). Há muitos que exercitam as artes do mal a nos enviar vírus devastadores, por exemplo, que aniquilam parte considerável dos registros de nossa história pessoal, arquivados em nossos micros. Por isso não atendi prontamente ao seu apelo, pela forma impessoal – (@%@%@*&...) – como você se apresentou em meu e-mail.
Apesar de também às vezes considerar inútil guardar minha história pessoal (já que, no fim, como nossos primeiríssimos pais, irmãos e suas histórias pessoais, tudo virará pó), seu problema é complicado resolver porque é um problema de suas relações íntimas, essenciais, subjetivas, pessoais com o mundo.
O que você considera, pode considerar ou não valioso no meio de toda “falta de sentido” da presença de tudo no vazio determinará sua permanência nessa imensa e inescapável fábrica da Criação chamada “Vida”. Ou, por outro lado, lhe estimulará a encontrar uma forma eficiente e indolor de “voltar” para o vazio de onde, em minha modesta opinião, muitos nunca deveriam ter eclodido.
Entretanto, pus as aspas na palavra voltar porque, pessoalmente, não acredito que possamos “voltar” a lugar algum. Se você procurar sentir bem, onde (ou quando) estiver que estejamos, verá que somente vamos para frente; mesmo que, algumas vezes, precisemos estar caminhando para trás, e somente será assim ao impulso de novos saltos para o futuro.
Penso que a morte não é nada e que, por isso, ela não sucinta em você (ou em mim) grandes dificuldades de enfrentamento. Não sei sobre o que exatamente lhe motivou o desejo de “cair fora da Vida”, mas creio que nosso maior problema a motivações existenciais é compreender a Vida mesma e Sua insistência em Se fazer presente no vazio, através de tudo e de nós. Porque entre uma de Suas infinitas manifestações, e outras – das quais, ao que o Tudo indica, não podemos nos dar o direito de escapar – temos que enfrentar nossa própria ignorância e nossas próprias dores, sempre em relações com a ignorância e as dores dos outros (ou das dores que consciente ou inconscientemente possam ainda nos provocar), até que possamos sentir que, de fato, muitos temos usufruído mais prazeres do que dores durante nossa estada neste mundo (apesar dos verdadeiros infernos onde hoje vivem outros, de outras bandas do mundo).
Apesar de nossos desejos de ajudar os próximos (hoje, também com a ajuda da Internet, cada vez mais próximos), no fim (e por princípios) só podemos ser íntimos agentes de nós próprios no enfrentamento de nossas dores, resultados de nosso estado de espírito (ou, mais acertadamente considerado, do estado daquilo que chamamos Espírito em nós) em nossas relações com o mundo.
Poderia ainda escrever muitas coisas cuja intenção seria convencê-lo (como convenci a mim) de que, como muitos, você precisa olhar-se no espelho, bem de perto, a procurar ver refletido em seus olhos a janela de seu quarto, ou a porta de sua sala, por onde o mundo também entra e sai. Porque então talvez você, através dos cinco sentidos que nos auxiliam a sensação da Vida, perceba-se também existente à tarefa de, como “ínfimos” partícipes da Criação, gerar outros sentidos melhores à administração da sua vida e, por tabela, da Vida de tudo o que passou a existir no vazio.
Grande abraço.

Archidy Picado Filho

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